sábado, 28 de janeiro de 2012

Reportagem: Implementação de portagens na A24 promove desertificação do interior

| Um passo atrás no combate à desertificação

Foi a 8 de dezembro de 2011 que o atual governo português deu mais um passo na tentativa de equilibrar as contas públicas e a dívida portuguesa. A cobrança de portagens na autoestrada do Norte (A24) era um projeto há muito planeado e cuja implementação foi adiada por diversas vezes. Após várias promessas do antigo Primeiro Ministro José Sócrates, Pedro Passos Coelho recua na decisão e vai contra os pedidos de milhares de portugueses. 


Diariamente, surgiam na Internet petições para tentar evitar e, posteriormente, terminar com esta decisão. Até agora, os esforços têm sido em vão, apesar das cerca de 57.000 assinaturas recolhidas. Foram realizadas inúmeras marchas lentas, vários buzinões e organizadas dezenas de acções de sensibilização, mas o resultado não foi o esperado.


João Couto trocou a rápida viagem na A24 pela tradicional N2.
“Inevitavelmente, a vida da população local foi afetada, com um aumento incalculável nas despesas mensais”, refere o Engenheiro João Couto, responsável pela Delegação da empresa multinacional Adifer em Vila Pouca de Aguiar. Residente na aldeia de Escariz, concelho de Vila Real, percorre agora diariamente cerca de 30km pela EN2, para se dirigir ao seu local de trabalho. “Era um utilizador diário da A24 mas agora opto por viajar na estrada nacional. Tenho o dispositivo da Via Verde que me concede isenções e descontos mas, mesmo assim, o valor a pagar não se justifica”, salienta.


Aparelho Via Verde, obrigatório para a obtenção de isenções e descontos.

As tarifas cobradas, que chegam a superar os 14,00€ por viagem, são descritas como insustentáveis pelos cidadãos locais. Segundo José Clara, motorista de veículos pesados de mercadorias na empresa Santos&Vale, “é extremamente aborrecido viajar na estrada nacional. No entanto, a empresa não consegue suportar o acréscimo mensal nas despesas.” 

Apesar das isenções e dos descontos atribuídos, com o intuito de minimizar o défice causado no orçamento mensal de inúmeras famílias e empresas, as estradas nacionais voltaram a ser consideradas alternativas viáveis para viajar a curtas e longas distâncias. 


Vítor Melo alterou a sua rota semanal para "fugir" ao pagamento na A24.

Também Vítor Melo, aluno na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), viu a sua rotina semanal alterada devido à implementação das referidas portagens. Utilizador regular das autoestradas A7, A11 e A24, viu a viagem semanal entre Vila Real e Ponte de Lima encarecer graças à cobrança nesta última. “Isto é uma coisa muito má para a região de Trás-os-Montes uma vez que dificulta o acesso das pessoas, promovendo ainda mais a desertificação da região”, refere. O jovem utiliza agora em alternativa a IP4, que segundo o próprio “está agora em ótimo estado”, após as obras realizadas no último ano. 


João Mendes, natural da Guarda, evita deslocar-se à terra natal devido às elevadas despesas associadas à viagem.

João Mendes, Monitor de Desporto de Aventura, deixou a Guarda e mudou-se para Vila Real no verão passado. Nos últimos seis meses, visitou apenas 2 vezes a terra natal. “Para atravessar toda a zona interior e chegar à Guarda, preciso de percorrer 2 autoestradas onde recentemente foram colocadas portagens [A24 e A25]”. No seu caso, as alternativas “não são viáveis”, vendo-se obrigado a pagar “um valor absurdo” sempre que se desloca à referida cidade. “Tendo em conta que o distrito [da Guarda] é uma zona economicamente desfavorecida, não se compreende que se dificulte ainda mais o investimento no interior”, refere João. 
João Mendes já adquiriu o dispositivo Via Verde.

Os efeitos são notórios e existem agora dados que o comprovam. Renato Pitrez, funcionário na Estação de Serviço de Vilarinho da Samardã, destaca que “passam por ali cada vez menos pessoas.” O jovem refere que o local era paragem habitual de veículos de transporte de mercadorias, principal fonte de rendimento do estabelecimento. Só no último mês de 2011, circularam nas SCUTS portuguesas menos 58.000 viaturas por dia que o habitual. A autoestrada mais deserta foi a A24, com um crescimento notório e acentuado no trânsito na EN2. Esta decisão foi, segundo os testemunhos recolhidos, mais um passo atrás no combate à desertificação do interior norte do país.







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